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Estratégias nutricionais para bovinos de corte no período das águas

As forrageiras tropicais raramente satisfazem adequadamente todos os requerimentos nutricionais dos bovinos. A concentração mineral das forrageiras depende da interação de vários fatores como: fertilidade do solo, espécie forrageira, estado de maturidade da planta, manejo de pastagens, clima, dentre outros. Vários fatores também influenciam as exigências em minerais dos ruminantes, incluindo o tipo e o nível de produção, a idade do animal, raça, etc.

Desse modo, a suplementação mineral é essencial para o crescimento, desenvolvimento e desempenho produtivo e reprodutivo dos bovinos.

O uso de suplementos concentrados nas águas é uma tecnologia que gera ainda dúvidas, como o que suplementar, proteína ou energia, que quantidade e, principalmente, o questionamento sobre a rentabilidade econômica da técnica. Entretanto, é indiscutível o aumento de desempenho que cada estágio tecnológico de suplementação pode provocar em um rebanho destinado à produção de carne.

 

Figura 1- Desempenho animal de bovinos em crescimento para cada nível de suplementação adotada.

A Figura 1 apresenta o ganho de peso conseguido através da absorção de cada nível de suplementação animal a pasto. Ou seja, apenas com suplemento mineral e bom manejo de pastagens é possível obter ganhos de 150kg/cabeça/ano (5@). Com a adoção do uso do proteico de baixo consumo de seca e de águas (1g/kg de peso corporal), sucessivamente, ganhos de 210kg/cabeça/ano (7@) poderão ser atingidos, sendo uma arroba a mais na seca e uma arroba a mais nas águas. No caso da suplementação proteica energética de alto consumo (3 a 4g/kg de peso corporal), duas arrobas a mais poderão ser obtidas, tanto no período de seca como nas águas, em relação a suplementação mineral convencional. Sendo assim, o salto será de cinco arrobas para nove arrobas com o proteico energético e de cinco para doze arrobas com ração concentrada para o mesmo período de um ano.

O uso de suplementos concentrados no período das águas é uma tecnologia de uso comercial relativamente recente, no entanto, cientificamente comprovada. O objetivo dessa técnica para animais machos em crescimento está relacionado ao aumento do ganho de peso. No caso de novilhas, permite a redução na idade de cobertura. A suplementação concentrada nas águas também pode ser usada para fêmeas recém-paridas, principalmente vacas primíparas, uma vez que o período de parição coincide com o início da estação chuvosa. Nesse caso a suplementação tem o objetivo de reduzir o tempo que a fêmea permanece em anestro e, com isso, emprenhar as vacas em menor tempo após o parto.

Basicamente existem no mercado dois tipos de suplementos concentrados para o período das águas. Um adota a linha da suplementação apenas energética e o outro a da suplementação proteica. Os suplementos são considerados como proteicos quando apresentam valores iguais ou acima de 20% de proteína bruta em suas composições.

As forragens tropicais (Colonião, Braquiárias, Tanzânia etc.) apresentam nos meses chuvosos bons valores de proteína, ao contrário do que ocorre no período seco do ano. No entanto, seus teores de energia ainda são baixos para se ter ganhos de peso superiores a 600 g/animal/dia. Desse modo, é possível justificar a necessidade de suplementação energética e não proteica em sistemas tropicais de produção de bovinos.

Entretanto, estudos mais recentes, mostram que apesar do teor de proteína nas plantas tropicais durante o verão serem altos, as vezes superiores a 12% (valor esse suficiente para ganhos acima de 600 g/cabeça/dia), essa proteína não é de boa qualidade, ou seja, o animal não consegue ter alto aproveitamento dessa fração.

A Figura 2 apresenta a proporção entre as frações proteicas de uma planta de capim Tanzânia. Nota-se que a fração “C”, que é a parte da proteína indegradável, somada a fração “B3”, que é a fração de baixa degradabilidade, somam mais de 50% da proteína da planta. Por outro lado, a fração “A” é de alta degradabilidade, isso faz com que o ruminante não consiga aproveitá-la adequadamente, pois boa parte é perdida. As frações B1 e B2, são de melhor qualidade, apresentam degradação média e bom aproveitamento pelos animais, entretanto estão em pequenas proporções na planta.

Figura 2. Proporção das frações proteicas em % da proteína de amostras de pastejo simulado de capim Tanzânia (Panicum maximum Jacq.) irrigado ao longo do ano.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Balsalobre 2002.

Quanto a falta de energia em plantas tropicais, isso é verdadeiro. Entretanto, existem duas formas de promover aumento do consumo de energia. A primeira é fornecendo dietas com maior densidade energética. A outra é promovendo aumento de consumo de um alimento de menor densidade energética (pastagens tropicais). A suplementação energética em animais sob pastejo causa um efeito de substituição da forragem pelo concentrado, isso faz com que o animal passe a consumir menores quantidades de forragem, enquanto que a suplementação proteica promove um efeito de adição de consumo. Isso significa que animais recebendo mais proteína passam a consumir mais forragem. Por esses motivos é que a suplementação proteica, na maioria dos casos, é vantajosa em relação a suplementação apenas energética. A suplementação energética poderá ser interessante em uma eventual baixa oferta de forragem.

Geralmente, apenas com a suplementação mineral no período das águas observa-se ganhos na faixa de 400 a 600g/cabeça/dia. Os proteicos de baixo consumo (1g/kg de Peso Vivo) promovem acréscimos de ganhos na faixa de 150 a 250 g/cabeça/dia em relação a suplementação mineral convencional. Já para os suplementos proteicos energéticos de alto consumo (3 a 4 g/kg de Peso Vivo) espera-se acréscimos de ganho de peso de até 500g/cabeça/dia.

Nesses tratamentos o desempenho está ligado diretamente a disponibilidade de forragem. Vale ressaltar que, dependendo da estratégia adotada, pode-se até aumentar a taxa de lotação das pastagens devido ao efeito de substituição acarretado pelo tipo e quantidade de suplemento fornecido no cocho.

Um ponto importante de manejo a ser considerado é a disponibilidade de cocho necessária para cada tipo de suplementação. Sendo considerados adequados de 3 a 5 cm/cabeça para a suplementação mineral convencional, de 10 a 12 cm/cabeça para a suplementação proteica de baixo consumo e de 40 a 50 cm/cabeça para a suplementação proteica energética de alto consumo ou para a ração concentrada. Estes ajustes visam o acesso adequado ao cocho e o consumo ideal por todos animais do lote.

Tendo em vista que nos últimos anos as oscilações nos valores da arroba já não são tão grandes do período de safra para o de entressafra, podemos utilizar os valores atuais da arroba e dos insumos para simular o tipo de estratégia a ser adotada para as diferentes categorias nos próximos meses.

De maneira geral, a suplementação com proteico de baixo consumo ou proteico energético de alto consumo para os animais em recria ou em terminação no período das águas, tem se mostrado viável e com boa relação benefício:custo.

Na simulação da figura 3, foi considerado um animal inteiro em fase de recria com 250 kg e já na metade do período de águas.

Nota-se que para o ganho de peso adicional de 150g/cabeça/dia promovido pelo proteico de baixo consumo em relação ao suplemento mineral convencional e para uma arroba de R$200,00, um lucro de aproximadamente R$80,00/cabeça poderá ser obtido em quatro meses de tratamento, gerando um retorno de R$3,00 para cada real investido. Nessa análise, podemos também observar que o indicador de ponto de equilíbrio dessa tecnologia, ou seja, o acréscimo de ganho de peso diário necessário para pagar o investimento, é de apenas 66g/cabeça/dia em comparação ao ganho obtido com a suplementação mineral convencional. Vale lembrar, que ganhos adicionais na faixa de 60 a 90g/cabeça/dia poderão ser obtidos apenas com o efeito do uso de aditivos promotores de crescimento nos suplementos, como por exemplo a monensina sódica.

 

 

 

Figura 3) Suplementação mineral, proteica de baixo consumo e proteica energética nas águas.

 

No caso da suplementação proteica energética, a necessidade de investimento é mais elevada devido a maior quantidade de suplemento fornecido diariamente. Entretanto, a margem de lucro também será maior em função do ganho de peso diário, sendo nesse caso de aproximadamente R$93,00/cabeça, proporcionada por essa estratégia de suplementação.

Outras métricas importantes poderão ser observadas, como por exemplo o peso dos animais no final do período das águas e/ou início da fase de terminação. Em sistemas que visam terminar os animais na entressafra através do confinamento ou do semiconfinamento, a utilização dessas estratégias nutricionais a pasto nas águas possibilita a entrada de animais mais pesados, melhor adaptados as dietas concentradas e ao manejo diário de alimentação, diminuindo consequentemente o tempo de cada animal nessa etapa final.

 

 

Figura 4) Novilhas da raça Nelore em sistema de terminação a pasto nas águas com suplementação proteica energética (produto MAXPEC 30).

Fonte: TOTALPEC 2020.

Os benefícios dessas estratégias nutricionais são ainda maiores quando considerado o fato de que animais suplementados durante a fase de crescimento ou recria em pastagens, devido a diferente composição do seu ganho, quando em fase de terminação, apresentam maiores desempenhos em peso, maiores rendimentos e melhores acabamentos do que animais não suplementados. Porém, para efeito de cálculo neste exemplo, foi considerado um rendimento de carcaça de 50%, tanto na entrada como na saída do período.

A análise econômica num determinando período pode ser muito válida para a tomada de decisão de qual estratégia nutricional a ser adotada, mas ela deverá sempre fazer parte do sistema de produção planejado para a propriedade. Na simulação acima, por exemplo, não está sendo considerada a economia obtida em forragem, devido ao maior ganho de peso diário, redução na idade de abate e redução do tempo de permanência dos animais nas pastagens.

Considerando que a nossa produção de carne é quase toda a pasto, as estratégias de terminação, como a suplementação proteica energética ou o semiconfinamento, devem ser consideradas também como ferramentas de ajustes nesses sistemas intensivos de produção, que quando desenvolvidas de forma planejada e bem executadas, permitem aumento considerável na produtividade e lucratividade por unidade de área. Assim sendo, o desfrute será maior e a receita também.

Para se definir a estratégia a ser adotada, deve-se levar em consideração o peso médio dos animais no início do tratamento, a categoria animal disponível (animais inteiros, castrados ou fêmeas), os ganhos diários médios obtidos com os diferentes tipos de tratamentos e o período necessário para que os animais atinjam o peso ideal de abate com adequado grau de acabamento da carcaça. Deve-se considerar que, em algumas situações, a idade dos animais e a qualidade da carcaça poderão influenciar e valorizar também o preço de venda das arrobas produzidas.

 

Figura 5) Terminação a pasto com proteico energético ou ração concentrada nas águas.

Na figura 5, nota-se que os animais recebendo apenas uma suplementação mineral permanecerão nas pastagens por todo o período de águas e ainda entrarão no período de seca abaixo do peso necessário para o abate. Nesta época do ano, naturalmente, há uma acentuada queda no desempenho ou até perda de peso.

Já a adoção da suplementação proteica energética nesse período, além dos benefícios vistos anteriormente na fase de recria, se apresenta como uma interessante estratégia de terminação, imprimindo maior ganho de peso, antecipando o abate e liberando área de pastagem para a reposição justamente na época de maior oferta de bezerros desmamados.

A otimização de uso da área ou a economia obtida em pastagem e/ou arrendamento é ainda maior quando a terminação é realizada com o uso de ração concentrada no sistema de semiconfinamento. Dessa forma, o tempo de permanência dos animais nessas áreas é reduzido em quase 60% e ainda é possível dobrar a taxa instantânea de lotação devido ao fornecimento via cocho de praticamente 50% da dieta.

 

Figura 6) Novilhas da raça Angus em sistema de terminação a pasto nas águas com ração concentrada (produto BEEFPEC 16).

Fonte: TOTALPEC 2020.

Vale lembrar que o valor da arroba produzida não é composto só pelos custos diretos como alimentação, operação e sanidade, mas também pelo indiretos como a reposição animal e depreciações.

As diferentes técnicas de nutrição disponíveis para o período de águas, quando inseridas estrategicamente no sistema de produção, possibilitam a elevação do giro de capital investido, diluição dos custos fixos e melhoria da eficiência alimentar através da maior produção de carne em quantidade e qualidade.

Sendo assim, podemos afirmar que esse pode ser o caminho para uma produção sustentável na pecuária, respeitando os aspectos sanitários, nutricionais e comportamentais dos animais e necessitando de menor área para produzir uma maior quantidade de um alimento tão essencial e nobre para a sociedade como é a carne bovina.

 

César Vitaliano Graminha

Zootecnista

Gerente Técnico Comercial